19/05/2024 (21) 979164559

PolĂ­tica

Deputado Glauber Braga foi multado em ação de homem que incitou golpe

Ele teve a conta pessoal e a parlamentar bloqueadas

Por Redação 02/09/2023 às 16:02:15

Deputado federal Glauber Braga (Psol-RJ) - Foto:Divulgação: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Uma multa de R$ 1 milhão foi imposta ao deputado federal Glauber Braga (Psol-RJ), estabelecida dentro de um processo movido pela Ação Rural de Lumiar. A decisão é do juiz Sérgio Louzada, da 2ÂȘ Vara CĂ­vel de Nova Friburgo, na região serrana do Rio de Janeiro. A Ação Rural é uma empresa criada em 1987 por Jailton Eller, identificada como "Atividades de Associações de Defesa de Direitos Sociais". Eller foi candidato a vereador em 2020, pelo PSC, e é um apoiador de Jair Bolsonaro que gravou ĂĄudios incitando atos violentos em meio ao processo eleitoral do ano passado. As gravações circularam nas redes sociais, mostrando que ele chegou a convocar uma guerra civil caso o ex-presidente não tivesse ĂȘxito na tentativa de reeleição.

Devido aos ĂĄudios, Eller se tornou alvo de um processo movido pelo Ministério PĂșblico em outubro do ano passado e cumpriu medidas alternativas. Ele concordou em pagar R$ 1,3 mil em bens ao Centro de Socioeducação Dr. Antônio Elias Dorea de AraĂșjo Bastos (Cense AEDAB), em Nova Friburgo.

Entenda o caso

O processo que resultou na multa a Glauber Braga envolve uma manifestação convocada pelo parlamentar para o domingo passado (27) em Lumiar, distrito de Nova Friburgo. Seria um ato de desagravo em solidariedade à deputada estadual do Rio de Janeiro pelo PT Marina dos Santos, conhecida como Marina do MST, devido à sua militância junto ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Duas semanas antes, ela foi alvo de hostilidades polĂ­ticas em Lumiar e precisou deixar o local com acompanhamento policial.

Marina do MST estava em Lumiar para uma plenĂĄria do seu mandato, sobre questões envolvendo soberania alimentar, agroecologia e o combate aos agrotóxicos. No entanto, ela foi recebida por um grupo mobilizado pelas redes sociais para impedir a atividade. Jailton Eller foi um dos organizadores da recepção hostil. Em ĂĄudios disseminados pelas redes sociais, ele se identifica e faz ataques ao MST. "Não queremos eles aqui. Mas, para isso, meus irmãos, não adianta só as lideranças, não adianta só eu, da Ação Rural, ir. O povo tem que estar junto", convocou.

Diante do ocorrido, Glauber Braga, que é natural de Nova Friburgo, começou a organizar um ato de desagravo em solidariedade à Marina do MST. Além da presença de outros parlamentares e lideranças de movimentos sociais, foram previstas atividades artĂ­sticas e atrações como o cantor Leoni.

No entanto, o juiz Sérgio Louzada atendeu o pedido da Ação Rural de Lumiar e proibiu a manifestação, alegando, entre outras coisas, haver riscos à segurança das pessoas e falta de estrutura local para sediar o ato.

"A meu sentir, é fato pĂșblico e notório que uma manifestação promovida e organizada por pessoas que não são sequer moradoras da localidade, convocando lideranças polĂ­ticas em uma espécie de movimento anunciadamente em desagravo à postura dos moradores locais que não aceitaram manifestação anterior do mesmo grupo polĂ­tico, ou seja, francamente retaliatório, irĂĄ de fato impactar o pequeno distrito de Lumiar que não comporta tal manifestação da forma como vem sendo divulgada", escreveu.

A decisão foi tomada na sexta-feira (25), apenas dois dias antes do ato. "Ninguém é obrigado a aceitar posicionamento polĂ­tico imposto por outrem", acrescentou o magistrado. A posição gerou crĂ­ticas de Glauber Braga nas redes sociais. "A obrigação do juiz era garantir a realização do ato pacĂ­fico que vĂĄrios coletivos estavam organizando contra a violĂȘncia que sofreu a deputada", escreveu. O deputado chegou a recorrer e o caso chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), sendo designado para o ministro André Mendonça, que manteve a decisão de Louzada.

"O JuĂ­zo reclamado ponderou os interesses em jogo à luz das peculiaridades fĂĄticas do caso, optando por prestigiar, initio litis, a prudĂȘncia e a prevenção de riscos concretos à incolumidade fĂ­sica, no que se inclui a vida e a saĂșde", escreveu o ministro que foi nomeado por Bolsonaro.

Diante da situação, o deputado federal anunciou o cancelamento da manifestação, mas foi a Lumiar no dia marcado, acompanhado de um assessor, e conversou com alguns moradores sobre o motivo da desmarcação do ato. Com isso, o juiz Sérgio Louzada aplicou a multa, considerando que a presença de Glauber feriu sua decisão de cancelar o ato.

Além de impor a multa de R$ 1 milhão, o juĂ­zo enviou uma recomendação ao Conselho de Ética da Câmara dos Deputados para que seja investigada uma eventual quebra de decoro por parte de Glauber. Para que o valor da multa seja pago, foram bloqueados recursos da conta pessoal do deputado e também da conta de ressarcimento das despesas do mandato, na qual são recebidos valores relacionados ao exercĂ­cio parlamentar tais como aluguel de escritório e passagem aérea.

O deputado federal diz estar sendo alvo de perseguição polĂ­tica pelo magistrado e anunciou que farĂĄ uma representação ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Pela redes sociais, Glauber compartilhou imagem do extrato da sua conta de ressarcimento mostrando um saldo negativo de R$ 955,3 mil.

Incitação à violĂȘncia

Nos ĂĄudios pelos quais foi processado e condenado em 2022, Jailton Eller incita a violĂȘncia e enaltece o ex-deputado federal Roberto Jefferson, que abriu fogo contra policiais que cumpriam um mandado judicial em sua residĂȘncia. O caso ocorreu uma semana antes do segundo turno das eleições, que resultou na vitória de Lula contra Bolsonaro. Jefferson vinha encampando discursos extremistas, sustentando a existĂȘncia de uma ditadura do STF e defendendo um golpe militar.

Segundo consta nos autos do processo de 2022, Jailton Eller também repetiu essa narrativa. Nos ĂĄudios gravados, ele chama os ministros do STF de "sem vergonhas, relaxados, censuradores, ditadores" e conclama os apoiadores para que "levantem armas e partam para uma guerra civil" caso Bolsonaro fosse derrotado

Jailton chegou a ser alvo de um mandado de busca e apreensão por suspeita da posse ilegal de arma de fogo, mas nada foi encontrado. A AgĂȘncia Brasil tentou contato com ele através do telefone da Ação Rural de Lumiar, mas ninguém atendeu.

Direito constitucional

Após a multa imposta pelo juiz Sérgio Louzada, o Psol, partido de Glauber Braga, divulgou nota defendendo o direito à organização polĂ­tica como algo inegociĂĄvel. "É inadmissĂ­vel que uma decisão judicial tente impor censura em relação ao que deveria garantir: o direito constitucional à realização de manifestações pacĂ­ficas. Exigimos que as liberdades democrĂĄticas sejam respeitadas e que essa medida absurda e injusta seja imediatamente revogada pelas instâncias superiores do poder judiciĂĄrio", diz o texto do Psol.

A Associação das JuĂ­zas e JuĂ­zes para a Democracia (AJD), entidade independente que reĂșne magistrados em defesa de princĂ­pios que orientam o Estado DemocrĂĄtico de Direito, publicou um posicionamento avaliando a decisão como abusiva e desproporcional. Conforme o texto, não houve descumprimento da decisão que estabeleceu o cancelamento da manifestação e a ida de Glauber Braga a Lumiar não pode ser interpretada como desobediĂȘncia, pois a proibição do ato não impede o livre trânsito do parlamentar.

"Além disso, ao embaraçar o exercĂ­cio de mandatos de membros dos parlamentos estadual e federal, as aludidas decisões judiciais atentam contra um dos principais pilares da democracia brasileira, que é o livre funcionamento do Poder Legislativo", acrescenta a nota da AJD.

Por sua vez, a Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj), instituição que representa desembargadores e juĂ­zes fluminenses, repudiou o que chamou de ataques ao juiz Sergio Louzada e disse que a decisão foi tomada de forma técnica e fundamentada, no pleno exercĂ­cio de sua independĂȘncia funcional. Também repudiou o acionamento do CNJ.

"As sentenças se baseiam em fatos e nas manifestações do Ministério PĂșblico pela preservação da ordem pĂșblica e pelo bem-estar da sociedade. É fundamental ressaltar que as decisões proferidas pelo magistrado respeitam o devido processo legal e foram confirmadas por instâncias superiores", diz o texto. Procurado pela AgĂȘncia Brasil, o TJRJ apenas encaminhou a Ă­ntegra das decisões sem se posicionar.

Esquerda e Direita

A situação envolvendo o psolista Glauber Braga também incomodou a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), uma das principais aliadas de Jair Bolsonaro. Ela chegou a reivindicar uma reunião com o presidente da Câmara, Arthur Lira, para discutir um posicionamento contra ordens judiciais que determinam o bloqueio das contas de ressarcimento dos parlamentares. Também procurou o deputado federal Guilherme Boulos (Psol-SP), para falar do assunto. Nas redes sociais, ela se explicou para os seguidores.

"Cada deputado tem duas contas de banco, uma para salĂĄrio e uma para ser ressarcido do que gasta com o mandato, como passagens aéreas etc. Essa conta é de dinheiro pĂșblico. Mas aconteceu comigo, com Daniel Silveira e com vĂĄrios deputados conservadores o bloqueio dessa conta, o que impede o exercĂ­cio de nosso mandato. No dia de ontem tive conhecimento de que o mesmo aconteceu com o deputado Glauber Braga, com quem discordo 100% no plano ideológico, uma multa por descumprimento de uma ordem judicial. O valor da multa (de R$1 milhão) e o bloqueio de 100% do salĂĄrio dele não vem ao caso, mas o bloqueio da conta ressarcimento, sim", escreveu.

Em seu perfil, Glauber Braga se posicionou sobre a mobilização de Zambelli. "Tem parlamentar de extrema-direita querendo usar o caso de abuso de autoridade que estou sofrendo como artilharia para suas questões. Não serei usado de escada. Falsa simetria comigo não rola. Não tentei dar golpe de estado", disse ele.

Fonte: AgĂȘncia Brasil

Comunicar erro
ComentĂĄrios